29.10.12

Bem-vinda à manada: Uma feminista assiste My Little Pony: A Amizade é Mágica

Este é um artigo traduzido. O original está aqui, no GlobalComment.com. Meus comentários estarão após o artigo. Os links e formatação foram deixados, mas adicionei links que explicam os termos que deixei em inglês.

OBS: Essa foi a maior tradução que já fiz na minha vida. Se você não tiver muito tempo, deixe para ler isto depois.

Sinopse: My Little Pony dá a crianças de todos os sexos - e a adultos também - um vasto alcance de significados para absorver do que significa ser uma garota, do que significa ser um indivíduo, e do que significa ser amigo(a).

Confira o artigo após a quebra!

 
Admito, estava cética quando vi pela primeira vez o fuzuê sobre a nova série de My Little Pony. Eu gosto de My Little Pony tanto quanto qualquer outra mulher crescida - talvez se estivesse modificado para parecer com o Borg do Star Trek [Jornada nas Estrelas] ou algo assim - mas os produtos que vendem a meninas pequenas hoje em dia são no mínimo desestimulantes, no máximo horríveis. É difícil caminhar na parte das garotas de uma loja de brinquedos sem ficar com fadiga nos olhos de tanto rosa, e é ainda mais difícil imaginar um desenho para vender brinquedos da franquia imortal da Hasbro ser atraente para quem tem 5 anos - imagine para adultos.

Mas com a sugestão de Aishwarya Subramanian, expert local em literatura infantil e afins do Global Comment, eventualmente consegui sentar e assistir um episódio. E o que encontrei foi uma série prazerosa, bem escrita, engraçada e com personagens fortes, com uma mulher (Lauren Faust) no comando, ainda por cima. Então assisti outro episódio. Então forcei meu parceiro a assistir um comigo, e mais outro, até terminarmos a primeira temporada citando os personagens (o "para sempreeee" prolongado da Pinkie Pie é meu favorito) e procurando conteúdo criado por fãs no Equestria Daily para aguentar a longa espera até a próxima temporada. Bem-vindos ao rebanho.

Há muita coisa em volta de MLP:FiM, incluindo uma porção grande de homens adultos que o assistem (mais sobre isto depois), mas a coisa mais importante sobre a série é: ela apresenta um mundo onde a normatividade é ser fêmea. As cinco personagens principais do desenho [NT: CINCO??? WTF!?] são fêmeas, assim como a soberana do reino de Equestria, o cenário da série. De fato, tantas personagens são fêmeas, que fãs admitem como fêmeas a maioria dos personagens que nunca falam [NT: Mas isso é por causa do formato do corpo...] - uma mudança interessante em relação ao padrão masculino que ainda domina a maior parte das áreas culturais (tente mencionar "pediatra"* e veja quantos assumirão que é "ela"... não muitos, na minha experiência).

* Na versão original, é doctor (doutor), porém, aqui temos a palavra doutora, então tive que substituir, mas talvez tenham mais pediatras mulheres do que homens, não sei x_x

O desenho oferece um vasto alcance de tipos de personagens femininas - a cautelosa e estudiosa Twilight Sparkle, a fashionista Rarity, a fazendeira Applejack, a durona Rainbow Dash, a silenciosa amante de animais Fluttershy e a hiperativa frequentemente sem-sentido Pinkie Pie. Elas são ativas, não passivas. Melhor ainda, muitos episódios demonstram uma aproximação com várias camadas, até sábias; aparências nunca são o que parecem ser. Em "A Praga do Século", o senso decididamente incomum de Pinkie Pie é ignorado por outras personagens, até que ela salva o dia com uma polka de uma pônei só.

E a ação não é centralizada na relação das garotas com homens e garotos, ela é primeiramente focada nas suas amizades, nas relações que elas têm umas com as outras. Conflitos acontecem naturalmente, por impercepção, egoísmo, arrogância, ações realizadas sem pensar... mas não por causa da briga horizontal entre garotas pela aprovação de um homem em uma narrativa kiriárquica. Tem apenas duas tramas centralizadas em romance - a queda do dragão Spike pela Rarity, e Rarity com o Príncipe Blueblood em "A Melhor Noite de Todas". Nenhuma das duas é uma história central, e no caso da Rarity, o Príncipe mostra ser egoísta e rude, um substituto ruim para uma noite com suas amigas. Não há nada de errado com um pouco de romance em histórias infantis (embora suponho que seja pedir muito para uma série mainstream ter crianças canonicamente queer), mas há várias vezes uma ênfase desproporcional nele. Em contraste, My Little Pony: A Amizade é Mágica não só passa no teste de Bechdel, como também o quebra em pedaços.

Há apenas um personagem do gênero masculino regular no desenho, o já mencionado dragão bebê Spike, que tem apenas um papel de segundo plano. Isso é uma esperta reversão do que a redatora feminista Katha Pollitt chamou há duas décadas de "Princípio da Smurfette", a maneira que os personagens homens dominam, com apenas uma personagem fêmea para completar o elenco.

Pollitt argumenta que:
A mensagem é clara. Garotos são a norma, garotas são variações; garotos são centrais, garotas periféricas; garotos são indivíduos, garotas tipos. Garotos definem o grupo, sua história e seu código de valores. Garotas só existem em relação a garotos.

Infelizmente, isso continua tão verdade agora quanto era antes. Tanto para adultos quanto para crianças, textos em que homens dominam ainda são considerados "neutros", enquanto os que tem uma predominância feminina similar são relegados à lata de chick-flicks, assistidos apenas por mulheres. A lógica é: homens não vão assistir séries ou filmes sobre mulheres, eles só podem se identificar com outros homens.

Ainda assim MLP:FiM, entre todas as séries, coloca a mentira neste dogma cultural acabado e sem sentido. Para a surpresa de todos que se preocupam com isso, MLP:FiM conseguiu atrair uma enorme fanbase de homens adultos que são chamados de "bronies" (mulheres adultas são chamadas de pegasisters), que viraram alvo de fascínio e de escárnio em medidas iguais. Mesmo assim, o número de bronies parece crescer a cada dia, demonstrando sua indiferença ao desdém causado por ter uma fandom culturalmente inapropriada com a famosa réplica "Vou te tolerar e amar até acabar com você". ["I'm gonna tolerate and love the shit outta you"; sorry pela tradução tosca ;__;]

Ironicamente, claro, o próprio comportamento da maioria dos bronies reforça a mesma velha dinâmica masculino-centro/feminino-margem, assim como a maior parte da cobertura da mídia. Fãs mulheres são apertadas contra a borda como objetos que valem alguma consideração. Alguns propuseram que o termo masculino "brony" fosse aplicado para todos os fãs adultos de MLP, uma irreflexível marca do masculino como universal. Isso é um indicativo de uma alegação mais ampla do texto como normativamente um domínio masculino, uma dinâmica comum na fandom - apenas uma das milhões de razões pelas quais uma narrativa feminista como MLP:FiM é ainda tão necessária para garotas e mulheres.

De qualquer maneira, um número grande de fãs de um texto tradicionalmente "feminino" é significante, importante, merece mérito e deveria ser considerado um desafio para os pais. Como vimos recentemente com o furor explosivo do anúncio de J. Crew onde um garoto está com os dedões dos pés pintados de rosa, o "toemaggedon" ["dedãomaggedon"], há sérios tipos de ansiedade direcionados a crianças que se assumem masculinas, com medo de qualquer sinal de feminilidade, tanto que alguns pais castigam com violência seus filhos por isso. É difícil ver tantos pais deixando seus meninos acolherem My Little Pony como seus irmãos mais velhos bronies.

Mas deveriam, porque garotos aprenderiam um monte se os deixassem se identificar com personagens femininas, para ver mais que o estereótipo de princesa. Como nosso próprio Arwin Daemyir disse:
O ponto de gender-diverse parenting e o objetivo que devemos ter em mente enquanto avaliamos as escolhas que temos, não é coagir nossas crianças a usar coisas uniformes e neutras, mas liberdade para descobrir o próprio gênero: qual é o gênero delas, o que ser daquele gênero significa para sua sociedade, e como, e em que extensão, elas tem que agir de tal forma.

My Little Pony dá a crianças de todos os sexos - e a adultos também - um vasto alcance de significados para absorver do que significa ser uma garota, do que significa ser um indivíduo, e do que significa ser amigo(a). E por isso, eu amo o desenho. Para sempreeee.

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É fácil de achar um artigo falando sobre MLP, ou sobre como alguém veio a gostar de MLP. Mas nunca vi, especialmente em português, um texto que analisasse a série de uma perspectiva feminista. Sei que alguns devem ter desistido de ler quando viram que era um artigo mais profissional (mesmo que eu tenha deixado com um tom mais leve; "imortal" no primeiro parágrafo era para ser "perene", por exemplo), e ainda por cima feminista.

Afinal, eu estou acostumada a ler textos do tipo, e de ver falhas que mostram como tal coisa está sendo influenciada por uma cultura machista; mas acho que a maioria dos que vêm aqui não. Para quem sabe inglês e gostou do texto, recomendo ler também este outro artigo.

Não concordo com todo o texto; já listei as razões para terem garotas que não querem ser chamadas de pegasisters. Entendo que é chato que garotas podem querer ser garotos, enquanto garotos não querem ser garotas (tem um bom artigo sobre isso aqui). E que é decorrente do patriarcado a razão para considerarem a maioria como indivíduos do sexo masculino na internet.

E, bem, eu acho que tem muito mais foco na mídia para "homens que gostam de My Little Pony" porque a maioria dos fãs se diz homem; e é também o que causa muito mais impacto na sociedade (infelizmente). Tipo, como muitas vezes acham que "mulher gosta de qualquer porcaria" (novelas, romances, etc. são vistos como "coisa de mulher"), não seria tão difícil de acreditar que era "por causa da fofura", ou porque "mulher tem uma mentalidade infantil". O que também é ridículo, mas muitas vezes as pessoas tem a ilusão de que não há nenhuma discriminação contra pegasisters.

Fora isso, não tenho nenhum comentário. Se você tiver, pense antes de comentar qualquer coisa; de preferência, pesquise um pouco sobre feminismo.

Última tradução:

Comentário retirado daqui.
hater: 'É um desenho para meninas' <- estereótipos não foram quebrados
resposta: 'Não; é o desenho mais macho de todos' <- estereótipos não foram quebrados

 o que a resposta deveria ser: 'E daí? É bom' <- estereótipos demolidos e deixados para morrer

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